Imagem: reprodução.
A chegada do novo Código de Processo Civil tem sido esperada com bastante entusiasmo e muita ansiedade. De um modo geral, prevalece o clima de receptividade, embora existam aqueles que estejam vendo o novo código com um pouco de má vontade.
O que há de mais relevante, todavia, é que ele não seja visto como mais um “brinquedo” na mão da doutrina. Explicamos: discussões acadêmicas são realmente fascinantes, delas pode resultar a luz para muitos problemas jurídicos sérios. Entretanto, há temas sobre os quais a discussão acalorada não é bem-vinda. São aqueles que não envolvem valores. A solução da discussão, que deve ser curta, sobre, por exemplo, o que é coisa julgada, pré-questionamento etc, deve se derivar de um acordo, pois, caso este acordo não exista, o único prejudicado é o jurisdicionado.
Interessante não perdemos isso de vista: o processualista trabalha com a realidade criadas por nós. Não há, na natureza, uma coisa julgada ou um prequestionamento. Nós é que dizemos o que são esses dois fenômenos, traçando-lhes o perfil. Portanto, devemos dialogar, sempre com o objetivo de chegar a uma solução, e não com a finalidade de “ganhar” a discussão.
Não se trata de discussão sobre dizer quando se pode qualificar uma situação como união estável: esta discussão tem sentido, porque envolve valores. A união estável existe no mundo dos fatos e envolve pessoas, sentimentos, dignidade humana etc.
Com certeza, haverá discussões sobre o novo CPC e o sentido de suas regras. Com certeza, também, se perceberá que várias interpretações são possíveis, de um mesmo dispositivo.
Atenção: muitas dessas discussões são daquelas que na verdade nem deveriam existir: trata-se de criar uma convenção, apenas, para que o jurisdicionado não seja prejudicado, pois tudo existe em função e por causa dele, afinal.
Então, em caso de haver esse tipo de discussão e de se verificar haver ótimos argumentos para sustentar todas as possíveis interpretações, qual seria o critério para se optar por uma ou por outra interpretação? O que deve desempatar é esse critério: como vai funcionar melhor o sistema, do ponto de vista do jurisdicionado? Ou ainda, qual a opção que torna o sistema mais simples e gera menos problemas para o jurisdicionado?
Uma das inspirações dos processualistas que elaboraram o novo CPC foi simplificar o sistema, para que as discussões acadêmicas, tão fascinantes, não acabassem por prejudicar o jurisdicionado.
Ficaria integralmente frustrada caso cada tribunal do país interpretasse de um modo diferente as regras sobre prazos, considerando que alguns seriam, e outros não, tipicamente processuais.
O artigo 219 do novo CPC estabelecendo que “na contagem de prazos em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. Em seguida, o parágrafo único desse dispositivo ainda dispõe que, somente aos prazos processuais se aplica essa contagem em dias úteis.
Como leciona Candido Rangel Dinamarco: “[...] Há também leis que em um só corpo trazem disposições substanciais e processuais, como a Lei do Divórcio, a Lei de Locação de Imóveis Urbanos, o Código de Defesa do Consumidor etc.; isso assim acontece, com plena legitimidade sistemática, devido à integração do processo e direito material em um só contexto global de tutela, sendo às vezes de toda conveniência disciplinar em um só corpo algum instituto de direito substancial e os modos como há de ser tratado quando posto em litígio perante o Poder Judiciário” (in: Dinamarco, C. R. Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I, 7. ed. rev., Ed. Malheiros, São Paulo, 2013).
Em um primeiro momento se poderia pensar que prazos processuais são aqueles lapsos temporais concedidos aos sujeitos do processuais (juiz, partes, perito, assistente técnico, assistente litisconsorcial, custos legis, escrivão, oficial de justiça, enfim, atores do processo), para que atuem no processo, impulsionando-o, para obter a prestação jurisdicional almejada.
Sob outro prisma, seria possível afirmar que prazos processuais são todos aqueles previstos em leis processuais. Mas e quando a lei contém prazos não processuais?
Uma interpretação mais razoável e condizente com a segurança jurídica seria, a nosso ver, a seguinte: prazos processuais são os prazos fixados em lei ou em decisão judicial que determinam “quando” e “como” devem ocorrer situações jurídicas que geram efeitos processuais. São atos que marcam as fases do processo e impulsionam o feito para a fase seguinte.
É o que ocorre, por exemplo, quando uma parte é pessoalmente intimada para fazer ou deixar de fazer algo, determinado em uma ordem judicial exarada, obviamente, em um processo judicial. Isso terá consequências no processo, por exemplo, se não houver cumprimento da ordem o juiz abrirá vista à parte requerente ou poderá, de ofício, fixar astreintes.
Outras interpretações são também possíveis quanto à definição dos prazos processuais. E justamente por isso muitas polêmicas poderão surgir.
Por exemplo, o prazo para a parte se dar por intimada em processo eletrônico, será contado em dias úteis ou dias corridos?
A Lei 11.419/2006, em seu § 3º do artigo 4º, dispõe que, em se tratando de publicação eletrônica, a consulta pelo advogado deve “ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo”.
Resta saber, no entanto, se essa norma foi derrogada pelo artigo 219 do novo CPC.
Alguns dirão que por ser norma especial, prevaleceria em pleno vigor, devendo o prazo ser contado em dias corridos.
Outros dirão que o novo CPC é a norma que rege o processo civil e, por ser cronologicamente posterior à Lei 11.419/2006, o prazo será contado em dias úteis por se tratar de prazo processual.
Dúvida não há de que o prazo de 10 dias para a intimação ficta no processo eletrônico é um prazo previsto em lei processual. É certo que não se trata de um prazo para a parte realizar um ato processual (por exemplo, recorrer, juntar documentos, falar nos autos de maneira geral), mas sim de um prazo para que o juiz presuma a ocorrência deste ato, qual seja: a intimação do advogado da parte.
Como cediço, a intimação é um ato processual por meio do qual o juiz presume que o advogado teve ciência inequívoca da decisão ou despacho exarado no processo. Se essa presunção de intimação tem efeitos processuais, podemos concluir que se trata de um ato processual. Logo, o prazo de dez dias para a acessar o teor do despacho que determina a intimação do advogado da parte, é um prazo processual, razão pela qual deverá ser contado em dias úteis após a vigência do novo CPC.
Outro exemplo, é o prazo de suspensão por 180 dias dos processos (execuções e cobranças) na recuperação judicial (Lei 11.101/05, artigo 6º). Esse prazo é processual, embora previsto em lei especial. Então, considerando que o novo CPC não excepcionou prazos processuais fixados em outras leis extravagantes (já que o artigo 219 dispõe sobre prazos processuais fixados “por lei”, sem limitação dos prazos previstos nesta ou naquela lei), deverá, sim, ser contado em dias úteis.
Na dúvida se o prazo é material ou processual, deve-se entender como processual, já que previsto para ser praticada determinada conduta pela parte ou por seu advogado dentro do processo. Realizado o ato, o mesmo deverá ser informado no processo gerando consequências na marcha processual? Se a resposta for positiva, então se trata de um prazo processual e, como tal, deve ser contado em dias úteis.
Esta solução deve ser construída a partir de um acordo na comunidade jurídica. Se houver discussão quanto ao termo final dos prazos processuais, por filigranas jurídicas ou vaidade intelectual, principalmente quanto à classificação de um prazo como material ou processual, teremos uma enorme insegurança jurídica com consequências incalculavelmente nefastas para o jurisdicionado.
Há situações em que não se têm dúvidas a respeito de certo prazo ser material, e portanto deverá ser contado em dias corridos. É o caso, por exemplo, de prazo prescricional, prazo decadencial ou um prazo para pagar o preço de uma mercadoria em um contrato de compra e venda. Sim, nestes casos não há dúvida de que se refere à pretensão ou a direito material, porque sua contagem, a obrigação a ser cumprida ou o ônus obrigacional, independem da existência de um processo.
Porém, se um prazo é previsto em uma norma processual, ainda que não integrante do novo CPC, este deve ser contado, sim e sempre, em dias úteis, ainda que se possa eventualmente dizer, com bons argumentos, que, no fundo, se trataria de um prazo material, de modo a evitar confusão e insegurança jurídica.
Por ora, em se tratando das possíveis discussões e polêmicas, que tanto fascinam os estudiosos do Direito, deve ficar sempre o lembrete de que o desejo deste novo CPC é produzir bons resultados na prática, beneficiando o jurisdicionado: em última análise, a sociedade brasileira.
FONTE:
Por Teresa Arruda Alvim Wambier e Arthur Mendes Lobo, publicado em Revista Consultor jurídico.